sábado, 28 de janeiro de 2012

O Sonho de Dumuzi

Continuando com o Ciclo de Inana, o próximo texto conta a história de um sonho que Dumuzi teve, vamos conferir?



Seu coração estava cheio de lágrimas 
O coração do pastor estava cheio de lágrimas 
O coração de Dumuzi estava cheio de lágrimas 
Dumuzi cambaleava pelas estepes, chorando: 
- Oh, estepe, comece um lamento por mim! 
Oh, caranguejos do rio, fiquem de luto por mim! 
Oh, sapos do rio, chamem por mim! 
Oh, minha mãe, Sirtur, chora por mim! 
  
Se ela não encontrar os cinco pães, 
Se ela não encontrar os dez pães, 
Se ela não souber do dia da minha morte, 
Você, oh estepe, dirá a ela, dirá à minha mãe. 
Na estepe, minha mãe derramará lágrimas por mim 
Na estepe, minha mãe irá ficar de luto por mim. 
  
Ele se deitou para descansar 
O pastor se deitou para descansar 
Dumuzi deitou-se para descansar. 
Quando ele se deitou entre os botões e arbustos 
Ele teve um sonho 
Ele acordou por causa do sonho 
Ele tremeu frente à visão do sonho 
Ele esfregou os olhos, aterrorizado. 
  
Dumuzi chamou: 
- Tragam... tragam-na.... tragam minha irmã 
Tragam minha Geshtinana, minha irmãzinha 
Minha escriba que tudo sabe 
Minha cantora de muitas canções 
Minha irmã que conhece o significado das palavras 
A jovem e sábia mulher que conhece o significado dos sonhos 
Devo falar com ela. 
Devo contar-lhe meu sonho. 
  
Dumuzi falou a Geshtinana, dizendo: 
- Um sonho! Minha irmã, ouça o meu sonho: 
Galhos se levantam ao meu redor; galhos crescem espessos ao meu redor 
Um único junco que cresce treme por mim 
Os juncos são removidos, primeiro um, depois o outro, 
Eles que cresciam juntos 
No bosque, o terror das árvores mais altas levantou-se contra mim 
Água começou a se derramar da minha lareira sagrada 
O fundo dos meus baldes [de leite] caiu 
Minha taça caiu de seu lugar costumeiro 
Meu bastão de pastor desapareceu 
Uma águia pega uma ovelhinha do rebanho 
Um falcão pega um papagaio sobe a cerca de juncos 
  
Minha irmã, tuas cabras jogam suas barbas de lápis na poeira 
Tuas ovelhas arranham a terra com suas patas dobradas 
  
Os baldes de leite estão silenciosos, 
Nenhum leite é derramado neles 
A taça está quebrada; Dumuzi não mais existe 
Os rebanhos são dados aos ventos. 
  
Geshtinana falou: 
- Dumuzi, não me contes teu sonho 
Dumuzi, não me fale de tal sonho. 
  
Os galhos que se erguem ao teu redor, 
Os galhos que crescem ao teu redor, 
São teus demônios, que irão te perseguir e te atacar 
  
O junco que cresce solitário e que treme por ti 
É nossa mãe: ela irá lamentar por você 
  
Os juncos duplos, que são removidos um depois do outro, 
São tu e eu: primeiro um será levado, depois o outro. 
  
No bosque, o terror das árvores altas que se ergue contra ti 
São os galla: eles descerão sobre os rebanhos. 
  
Quando o fogo for apagado da tua lareira sagrada, 
Os rebanhos tornar-se-ão a casa da desolação 
  
Quando o fundo de teus baldes de leite se soltar 
Serás preso pelos galla 
  
Quando tua taça cair do lugar de costume 
Irás cair na terra, nos joelhos de tua mãe 
  
Quando teu bastão de pastor desaparecer 
Os galla farão tudo fenecer 
  
A águia que pega uma ovelha do rebanho, 
São os galla que irão tocar tua face 
  
O falcão que pega um papagaio sobre a cerca de juncos 
São os gala que subirão a cerca para te levar 
  
Dumuzi, minhas cabras irão arrastar suas barbas de 
lápis na poeira 
  
Meus cabelos erguer-se-ão até os céus por ti 
Minhas ovelhas irão arranhar a terra com as patas dobradas 
Oh, Dumuzi, farei os sinais de luto na face por ti! 
  
Os baldes de leite estão silenciosos; nenhum leite é servido 
A taça está em estilhaços; Dumuzi não existe mais 
Os rebanhos são dados aos ventos.... 
  
Mal havia Geshtinana falado tais palavras, 
Quando Dumuzi gritou: 
- Minha irmã! Rápido, suba à colina! 
Não vá até lá com passos vagarosos e nobres! 
Irmã, corra! 
Os galla, odiados e temidos pelos homens, 
Estão chegando em barcos 
Eles trazem madeira para atar minhas mãos 
Eles trazem madeira para prender meu pescoço 
Irmã, corra! 
  Geshtinana subiu a colina. 
O amigo de Dumuzi subiu com ela. 
Dumuzi perguntou: 
- Você consegue vê-los? 
O amigo respondeu: 
- Eles estão vindo: 
Os grandes galla que carregam madeira para atar o pescoço 
Eles estão vindo para pegar você. 
Geshtinana urgiu: 
- Rápido, irmão! Esconde tua cabeça na grama. 
Teus demônios estão vindo! 
  
Dumuzi disse: 
- Minha irmã, não diga a ninguém do meu esconderijo, 
Meu amigo, não diga a ninguém do meu esconderijo 
Vou me esconder na grama 
Vou me esconder entre as pequenas plantas 
Vou me esconder entre as grandes plantas 
Vou me esconder nos fossos de Arali. 
  
Geshtinana e o amigo de Dumuzi responderam: 
Dumuzi, se dissermos teu esconderijo, 
Que os cães nos devorem, 
Os cães pretos do pastoreio 
Os cães pretos da realeza 
Que eles nos devorem! 
Os pequenos galla falaram para os grandes galla: 
- Vocês, galla, que não têm mãe, ou pai 
Que não têm irmão, esposa ou filhos 
Vocês, que voam pelos céus e a terra como guardiões 
Que não concedem favores 
Que não conhecem o bem ou o mal 
Digam-nos 
Quem já viu a alma de um homem amedrontado viver em paz? 
Não vamos procurar por Dumuzi na casa de seu amigo 
Não vamos procurar por Dumuzi na casa de seu cunhado 
Vamos procurar por Dumuzi na casa de sua irmã, Geshtinana. 
  
Os galla bateram palmas alegremente 
Eles foram procurar por Dumuzi 
Eles foram até a casa de Geshtinana. Eles gritaram: 
- Mostre-nos onde está teu irmão! 
  
Geshtinana nada disse. 
  
Eles lhe ofereceram o Dom das águas 
Ela recusou 
Eles lhe ofereceram o Dom dos cereais 
Ela recusou 
  
O céu se aproximou 
A terra se aproximou 
Geshtinana nada falou 
  
Eles rasgaram as roupas de Geshtinana 
Eles derramaram piche na vulva dela 
Geshtinana nada falou. 
Os pequenos galla disseram para os grandes galla: 
- Quem, desde o princípio dos tempos, 
Soube de uma irmã que revelasse o esconderijo de seu irmão? 
Venham, vamos procurar por Dumuzi na casa de seu amigo. 
  
Os galla foram à casa do amigo de Dumuzi. 
Eles lhe ofereceram o Dom das águas 
Ele aceitou 
Eles lhe ofereceram o Dom dos cereais 
Ele aceitou. 
Ele disse: 
- Dumuzi escondeu-se na grama, 
Mas não sei onde ele se encontra. 
  
Os galla procuraram por Dumuzi na grama 
Mas não o encontraram. 
O amigo disse: 
- Dumuzi escondeu-se entre as plantas grandes, 
Mas não sei onde ele se encontra. 
  
Os galla procuraram por Dumuzi entre as plantas grandes 
Mas não o encontraram. 
O amigo disse: 
- Dumuzi escondeu-se nos fossos de Arali, 
Dumuzi caiu nos fossos de Arali. 
  
Nos fossos de Arali, os galla pegaram Dumuzi 
Dumuzi empalideceu e chorou 
Ele gritou: 
- Minha irmã salvou minha vida 
Meu amigo causou minha morte 
Se o filho de minha irmã vaguear pelas ruas 
Que a criança seja protegida 
Que esta criança seja abençoada 
Se o filho de meu amigo vaguear pelas ruas 
Que esta criança se perca 
Que tal criança seja amaldiçoada. 
  
Os galla rodearam Dumuzi 
Eles ataram suas mãos, eles ataram seu pescoço 
Eles bateram no esposo de Inana 
Dumuzi ergueu seus braços para o céu, para Utu, 
O deus Sol, o deus da Justiça, bradando: 
- Oh, Utu, tu és meu cunhado 
Sou o esposo de tua irmã 
Sou aquele que carregou alimentos até o altar sagrado 
Sou aquele que trouxe presentes de núpcias a Uruk 
Eu beijei os lábios sagrados 
Eu dancei sobre os joelhos sagrados, os joelhos de Inana 
  
Transforme minhas mãos nas patas de uma gazela 
Transforme meus pés nas patas de uma gazela 
Deixe-me escapar de meus demônios 
Deixe-me fugir para Kubiresh! 
  
O misericordioso Utu aceitou as lágrimas de Dumuzi 
Ele transformou as mãos de Dumuzi nas patas de uma gazela 
Ele transformou os pés de Dumuzi nas patas de uma gazela 
Dumuzi escapou de seus demônios 
Ele fugiu para Kubiresh. 
  
Os galla disseram: 
- Vamos a Kubiresh! 
  
Os galla chegaram a Kubiresh 
Dumuzi escapou de seus demônios 
Ele fugiu para [onde estava] a Velha Belili 
  
Os galla disseram: 
- Vamos até a Velha Belili! 
  
Dumuzi entrou na casa da Velha Belili. Ele disse a ela: 
- Velha senhora, eu não sou um mero mortal 
Sou o esposo da deusa Inana 
Sirva água para eu beber 
Prepare a farinha para eu comer. 
  
Após a anciã Ter servido a água 
E haver preparado a farinha para Dumuzi 
Ela deixou a casa. 
  
Quando os galla viram-na partir, eles entraram na casa 
Dumuzi escapou de seus demônios 
Ele fugiu para onde estava o rebanho de sua irmã Geshtinana 
  
Quando Geshtinana encontrou Dumuzi entre o rebanho, ela chorou 
Ela abriu sua boca e gritou tão alto quanto os céus 
Ela trouxe a sua boca o mais próximo da terra 
Sua dor cobriu o horizonte tal qual uma veste 
  
Ela fez os sinais de luto nos olhos 
Ela fez os sinais de luto na boca 
Ela fez os sinais de luto nos quadris 
  
Os galla subiram a cerca de juncos 
O primeiro galla bateu na face de Dumuzi com um prego pontudo 
O segundo galla bateu na outra face de Dumuzi 
com o bastão do pastor 
O terceiro galla espatifou o fundo do balde de leite 
O quarto galla arrancou a taça do seu lugar de costume 
O quinto galla destruiu o balde de leite 
O sétimo galla gritou: 
- Levante-se, Dumuzi! 
Esposo de Inana, filho de Sirtur, irmão de Geshtinana, 
Suas cabras foram pegas! Suas ovelhas foram pegas! 
Seus filhotes foram pegos! 
Tire a coroa sagrada de sua cabeça 
Dispa as vestes das Medidas Sagradas de seu corpo 
Que o cetro real caia por sobre a terra! 
Tire as sandálias sagradas dos pés 
Despido, você vem conosco! 
  
Os galla pegaram Dumuzi 
Eles o rodearam 
Eles prenderam suas mãos. Eles prenderam seu pescoço. 
  
Os baldes de leite silenciaram. 
Nenhum leite foi neles derramado 
A taça foi estilhaçada. Dumuzi não existia mais 
Os rebanhos foram dados aos ventos. 



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